CENTRIFUGA
Sinal verde. Pessoas, cores, luzes, sons, informações, sinais, compre já, buzinas, movimentos, passe, pare, respeite a faixa, pressa, postes, rastros, urgência, espere sua vez, pague em x vezes no cartão, prédios, fluxos, altura do céu e do abismo, carros, casos, cascos, coisas, pessoas que são coisas, coisas que valem mais do que pessoas, rotinas, banalidades, café e cervejinha, é pra levar ou vai comer agora, tempo, chuva, filas e mais filas, jornada, jornal, grafitti, risos, rodas, rosas, leva uma pra me ajudar, asfalto molhado, sirene, olha a fruta, cheiros, troco, traço, troço, agora é tudo um real, será que isso foi um pássaro, conversas, concreto, restos de noite, fios, ofuscamento, multidões, multidões… multidões sem fim indo a lugar nenhum. Sinal vermelho.
A vida numa metrópole como São Paulo torna-se cada vez mais caótica e vertiginosa. Diariamente somos bombardeados por uma infinidade de estímulos dos quais muitas vezes não nos damos conta. O que conta é o compasso da rotina, é o chegar na hora, o estar lá. Mas o que acontece entre o aqui e o lá?
Experiências corporais passam despercebidas. Achamos estranho esbarrar em alguém na rua, mas não estar em pleno contato com várias passoas num trêm lotado na hora do rush. Levar 4 horas por dia apenas se deslocando de um lado a outro da cidade parece normal. As artérias de São Paulo não suportam mais o número de veículos. Em suas veias corre fumaça e caos. Os sons se misturam, compondo barulho. As cores se movem rápido, transformando-se num borrão cinza. As pessoas são tantas que parecem todas iguais. Você é apenas mais um.
Centrifuga traz uma visão crítica de nossa realidade metropolitana. A captura de movimentos cotidianos na cidade numa rotação contínua, como de uma centrifugadora, estabelece não só uma analogia à vertigem que a presença em meio à multidão de pessoas e estímulos nos causa, como também faz referência à mecanização de nossas vidas. Como substâncias de densidades diferentes, somos separados de nossa posição de urbanitas alienados por nossa rotina (“apenas mais um”) e passamos ao posto de espectadores. Nessa fuga propiciada pela deriva urbana, percebemos o quanto se passa entre uma rotação e outra. Percebemos a variedade de situações às quais somos expostos na cidade: o colorido das frutas na feira, as diferentes paisagens urbanas, as luzes noturnas, a calma dos parques, o caos das ruas comerciais. Percebemos o sufoco em meio à multidão que enfrentamos diariamente em nossos deslocamentos e, principalmente, a insustentabilidade dessa condição.
Através da experiência com a disciplina AUP 369 – Poéticas da Deriva Urbana, buscamos enxergar a cidade com outros olhos. O produto final busca condensar na forma de vídeo nossas percepções mais aguçadas da deriva, enquanto forma de explorar sensorialmente o meio urbano. Trata-se de uma rara pausa para a reflexão – já que, diferentemente de uma centrífuga, a vida na cidade não pára de girar.
Finalista na categoria Artes Visuais no 21° Programa Nascente e exibido no Centro Universitário Maria Antônia.
Beatriz Mickle
+ Amanda Raimondi│ Luís Fernando Tavares
AUP 369 – FAU USP
2012